Querido diário...
Faz um tempo que não escrevo por aqui... Prometi a mim mesmo que faria um post a cada 30 dias, pelo menos, mas acabei falhando com a minha própria meta. Poderia dar aqui um milhão de desculpas do tipo “estava sem tempo para escrever”, “meu notebook está uma porcaria” (apesar de realmente estar) ou coisas do tipo. Mas serei franco e assumirei que fui indisciplinado. Não consegui manter isso como uma prioridade. E é justamente por isso que hoje tratarei deste mesmo tema (mas é claro que você já sabe disso, tá escrito no título).
Faz um tempo que não escrevo por aqui... Prometi a mim mesmo que faria um post a cada 30 dias, pelo menos, mas acabei falhando com a minha própria meta. Poderia dar aqui um milhão de desculpas do tipo “estava sem tempo para escrever”, “meu notebook está uma porcaria” (apesar de realmente estar) ou coisas do tipo. Mas serei franco e assumirei que fui indisciplinado. Não consegui manter isso como uma prioridade. E é justamente por isso que hoje tratarei deste mesmo tema (mas é claro que você já sabe disso, tá escrito no título).
Ultimamente tenho sido bem pouco
disciplinado no que diz respeito ao blog e até mesmo aos treinos. Diversas
vezes deixo a preguiça vencer ou dou qualquer outra desculpa que consiga me
confortar e me fazer sentir menos lixo por não fazer o que eu deveria estar
fazendo. Mas, tive a oportunidade de ir ao 9º Encontro Paulista de Parkour
neste fim de semana do dia 25 e 26 de julho, organizado pela primeira vez pela APKSP, e ele me deu um
gás pra voltar. Inclusive quero escrever em breve especificamente sobre eventos
e encontros de parkour, mas isso vai ficar pra uma próxima oportunidade, porque
hoje o foco é: DISCIPLINA.

É de praxe ler ou ouvir
conceituações de parkour que tratam da prática como uma ‘disciplina’, ou mesmo
ouvir coisas do tipo “fulano é disciplinado”. Mas o que será que isso quer
dizer exatamente?
Disciplina pode ter vários
conceitos dependendo do contexto. Pode ser a subserviência às regras, se
interpretada por uma perspectiva militar, ou obediência, no sistema escolar.
Pode ser encarada como uma área de conhecimento estudada no campo das
universidades ou centros de estudo; e até mesmo como um tipo de castigo ou
penitência no contexto religioso. Porém o conceito o qual nos referimos quando
falamos de parkour diz respeito principalmente à doutrina ou conjunto coerente
de ideias fundamentais a serem transmitidas e ensinadas, e principalmente ao
comportamento moral do praticante. Este último é explicado de uma forma bem
interessante por Kant.
Para Kant o que distingue o
comportamento do ser humano dos demais animais é justamente a diferença no modo
de agir. Animais são guiados por instintos naturais, que definem suas ações e
retratam a natureza de cada espécie. Instintos são impulsos interiores que
fazem um animal executar inconscientemente atos adequados às necessidades de
sobrevivência própria, da sua espécie ou da sua prole. Kant diz que o ser
humano não é dotado de instintos, e como ferramenta para nortear os atos de sua
espécie, a natureza deu-nos a razão. Neste pensamento a humanidade á adquirida
através do afastamento dos impulsos selvagens dos animais. Justamente aqui,
Kant afirma que é através da disciplina que o homem transforma a animalidade em
humanidade.
O ser humano é um indivíduo
inacabado e, não podendo contar com os instintos nos moldes dos demais animais,
cabe a si mesmo, através da reflexão, a tarefa de determinar-se a si próprio de
maneira autônoma. Deste ponto de vista “a reflexão permite ao homem ser seu
próprio mestre.” (KANT).
Apesar de não ter o mesmo
instinto dos animais, o homem possui desejos e caprichos imediatos que podem
afastá-lo de seus propósitos primários. A reflexão mostra que o homem não é
simplesmente submisso aos impulsos do momento. Ela implica, de outra forma, uma
espécie de abandono à satisfação dos desejos mais imediatos. Através da
reflexão racional o homem é capaz de dominar seus impulsos e desejos, freando
as disposições naturais de agir precipitadamente. Para uma melhor organização
social e mesmo individual, é necessário que este homem saiba obedecer a regras,
sejam elas internas ou externas (como leis judiciais, por exemplo).
A disciplina favorece o
surgimento da obediência. Não uma obediência cega e totalmente heterônoma.
Muito menos uma obediência a impulsos e desejos imediatos, mas uma obediência
às regras racionais autônomas. A disciplina não é apresentada por Kant como uma
espécie de escravidão, mas como um processo necessário para a compreensão que
devemos sempre seguir regras. É através da disciplina que o homem aprende a
agir de forma refletida e organizada.
Apenas respondendo a seus
instintos mais imediatos, o indivíduo não reflete, e não refletindo não
proporciona o bom desenvolvimento da razão, único meio possível para o
esclarecimento.
De uma forma resumida, a
disciplina é a capacidade de se obedecer a regras. Mas não obedecer de maneira
cega e robótica, e sim uma obediência refletida, esclarecida e autônoma. Dessa
forma afastando aos caprichos, desejos e impulsos irrelevantes na nossa
caminhada em direção a uma meta.
Vivemos hoje em um mundo
cercado de informações, oportunidades e possibilidades. Tanto que torna-se
extremamente fácil perder o foco das coisas que realmente importam e,
consequentemente, dispersar-se dos afazeres que deveriam ser prioridade. Dessa
forma, acabamos fazendo várias coisas ao mesmo tempo, damos atenção a coisas
fúteis e deixamos de focar nossas energias naquilo que seria produtivo para o
desempenho dos objetivos e metas que visamos. Perdemos, portanto, a maior coisa
que podemos investir para fazer com excelência nossos trabalhos, perdemos
tempo.
A disciplina é a
capacidade e qualidade de se manter focado nas tarefas necessárias para
concretização de uma meta sem se desviar e sem perder a motivação. Em
outras palavras, é a capacidade que temos em abstrair de tudo aquilo que não é
relevante para a realização de um objetivo.
Disciplina diz respeito a
organização interna. Saber dizer ‘não’ para as coisas que não são relevantes
naquele momento. Porém, apesar da disciplina ser uma ferramenta fundamental
para o exercício da excelência pessoal, uma disciplina sem um direcionamento
consistente pode te tornar um robô metódico sem necessariamente um fim
estabelecido. O benefício da disciplina só é aproveitado quando há objetivos
definidos em cima de um propósito firme e existe uma motivação genuína para
conquistá-los. Nesse caso, a disciplina vem para estruturar as atividades e
extrair maior excelência no desempenho.
Se você chegou até aqui,
parabéns!! Se entendeu tudo, mais parabéns ainda!! Se você está feliz, bata
palmas!! (8)
Mas e aí, o que isso tem
a ver com parkour mesmo? Relaxa amiguinho, você já deve estar cansado de ler,
pode ir fazer um cocô e voltar aqui que já irei linkar as duas coisas.
Pronto? Voltou? Limpou o
bumbunzinho? Então vamos lá...
Parkour é uma prática que
prega o auto aperfeiçoamento constante, a busca pelo auto conhecimento.
Treinamos para sermos praticantes melhores e também, pessoas melhores.
Treinamos para aprender a lidar com nossos medos, com nosso corpo, com
obstáculos físicos e mentais e pra nos tornarmos pessoas fortes e úteis.
Treinamos buscando longevidade, respeitamos nossos corpos e respeitamos o
ambiente. É claro que é possível sim treinar com tudo isso em mente, mas,
diga-se de passagem, essa não é uma obrigação. Haverão pessoas que não se
interessam por nada disso e só querem se divertir. Que simplesmente vêem o
parkour como um hobbie, e estas deverão ser respeitadas, e não julgadas. Porém
se o seu foco com o parkour é realmente dedicar-se e tornar-se melhor com isso,
se você já estabeleceu metas na sua cabeça e realmente quer ser um exemplo de
praticante, saiba que tudo isso vai demandar disciplina de sua parte. Pois você
terá que saber manter-se firme no seu caminho, dizer não para as coisas que não
te ajudam, manter-se focado e não praguejar quando tiver que escolher entre
parkour ou seus impulsos e caprichos momentâneos, deverá se tornar um exemplo
de comportamento moral e ético. Deverá saber obedecer as regras e respeitar aos
valores do parkour. O comportamento de
um bom traceur deve sempre ser disciplinado, e não obstante de atingir suas
metas, buscar sempre ser o guerreiro que deve ser.
Acho importante salientar
que um traceur disciplinado não é necessariamente aquela pessoa que só treina e
não tem vida social, não é aquele neurótico que só respira parkour e “foda-se”
o resto, não é aquele fiscal de treino que se acha no direito de julgar aquele
que treina menos ou de uma forma diferente que a dele. O traceur disciplinado é
aquele que sabendo de suas metas e sonhos não fraqueja, mas consegue manter um
equilíbrio saudável de seus desejos e seus deveres.
A razão pela qual o ato
de disciplinar-se é importante, principalmente dentro do parkour, é justificada
por diversos fatores. O primeiro é pelo fato de o parkour ser uma atividade que
envolve principalmente a reeducação do corpo e mente. É impossível educar sem
disciplina (como mostra Kant em seu trabalho). O ato de educar e desenvolver
seu corpo e sua mente remete a um balanço total na sua rotina, você precisará
utilizar métodos que vão exigir o máximo de sua atenção e compromisso para que
consiga fazer isso de uma forma coerente e condizente com o sustentável “ser e
durar” (já explicado neste post).
O segundo diz respeito à
imagem que transmitimos enquanto praticantes. Já sofremos preconceito dos
outros naturalmente, imaginem se além desses preconceitos ainda dermos
argumentos para recriminarem ainda mais o que fazemos. Por exemplo, usarmos
drogas, ficarmos bêbados, arranjarmos brigas, desrespeitarmos os outros na rua,
vandalizarmos o pico... Esses exemplos dizem respeito ao lado imoral da coisa.
O outro lado diz respeito ao próprio estereótipo que a sociedade vai formar do
praticante através de você, por exemplo: você é um praticante que objetiva
seguir isto como profissão, seja instruindo ou praticando, que imagem que você
passará dos praticantes se você (não serei demagogo) for um fraco, se desistir
das coisas logo de cara, se não puder nem fazer um simples climb, se ficar
usando o que sabe pra chamar a atenção do sexo oposto (ou do mesmo). Sinceramente,
qual a imagem você quer que as pessoas tenham daquilo que você prega? Sem a
devida disciplina você acaba manchando e denegrindo aquilo que você mesmo ama
fazer.
O terceiro diz respeito a
sua organização fora do parkour. Um traceur deve ser um guerreiro em tempo
integral, parafraseando Laurent Piemontesi no documentário ‘Geração Yamakasi’:
“um guerreiro é um guerreiro em tempo integral, nós não vestimos a roupa de
‘forte’ e saímos na rua para brincar de ser forte e quando chegamos em casa,
tudo aquilo é esquecido”. O espírito e disciplina de um traceur devem estar
sempre ativos a fim de tornar-se também, uma pessoa melhor com a prática.
E o quarto, pra
finalizar, diz respeito ao quanto você quer se dedicar para se tornar bom
naquilo que faz. Quantas vezes você deixa sua preguiça vencer? Quantas vezes da
desculpinhas para não treinar? Você provavelmente quer saltar mais longe,
escalar mais rápido, ganhar mais flow... O quanto você está disposto a
sacrificar por isso? Deixaria de ir a baladas para fazer agachamentos? Deixaria
de ficar vendo porcarias na internet pra estudar e se aprofundar no parkour? Deixaria
de comer porcarias pra se dedicar a uma dieta mais saudável? Deixaria de fumar
para ter mais fôlego? Deixaria inclusive de treinar se precisasse descansar seu
corpo? Quer aumentar seu desempenho
amigo (a)? Então trate de aprender a obedecer regras, a dizer não para o que
for fútil, a sacrificar vícios e a dedicar-se nessa vida. Em outras palavras,
trate de ser disciplinado.
Quando aprendemos a agir
com disciplina, melhoramos não apenas nossa performance, mas também nossa
capacidade de sustentar o parkour e mantê-lo vivo.
Não poderia terminar este
tema sem antes recomendar a extraordinária leitura do blog do Santigas sobre
este mesmo assunto. (Link aqui)
Espero ter contribuído em
algo com você que teve a paciência de ler até aqui. Sinta-se a vontade para
discordar, debater, sugerir temas, criticar e construir conhecimento.
Agradecimentos especiais ao Jean Wainer, a Ana StramandinoLLi, ao Duddu Rocha e a Marina Neves com o texto.
Agradecimentos especiais ao Jean Wainer, a Ana StramandinoLLi, ao Duddu Rocha e a Marina Neves com o texto.
Bons treinos .
Atenciosamente
Um Traceur
REFERÊNCIAS
http://santigasparkour.blogspot.com.br/2013/01/liberdade-e-disciplina.html
https://www.youtube.com/watch?v=9YJxqMc_lNQ
https://www.youtube.com/watch?v=9YJxqMc_lNQ
como sempre, texto ótimo!
ResponderExcluirdeixar de treinar pois o corpo precisa descansar, ainda é minha maior dificuldade.
sou muito disciplinada, budista desde que nasci, e isso me ajuda muito na disciplina. mas saber respeitar o corpo quando estou cansada, e querendo evoluir, é o mais difícil. a dúvida entre treinar, repetir e entre: "não, seu joelho, tornozelo, estão pedido arrego, pare um dia ou dois...". estou trabalhando nisso, pois o lema é ser e durar. e não apenas ser hoje.
parabéns!
Sim, tive muita dificuldade com isso no começo tambem... ja entrei em overtraining inclusive, não foi legal. Saber quando parar sem ser por uma desculpa qualquer não é algo simples. Acho que é uma das coisas mais dificeis de se aprender.
ResponderExcluirFico feliz que tenha curtido, agradeço pelo tempinho que gastou pra ler e comentar.
Bons treinos